Na atual tragédia de saúde pública e de economia, que o Brasil e o mundo atravessam, e que certos personagens, no Brasil, inconformados com a derrota eleitoral, querem transformar em tragédia também política, para conseguir aí qualquer pretexto a fim de derrubar o presidente, – vem-me espantando o nível de hipocrisia reinante. Hipocrisia cínica, sem nenhum pudor.
Há não pequena hipocrisia nesse confinamento. Porque nem todos são obrigados a ficar em casa. E não são somente os médicos e enfermeiros, cuja missão é atender os doentes, que não ficam em suas casas – o que seria muito compreensível. Também não ficam em casa os trabalhadores das padarias e dos mercados, onde se compram os alimentos. Nem os caminhoneiros que os transportam. Nem os entregadores de refeições. Nem os porteiros dos prédios, encarregados de garantir o acesso e controlar as entradas. Também estes últimos são serviços essenciais?
E por que seriam serviços essenciais? Sobretudo: essenciais para quem? Para mim, para a boa classe média (e a alta) que pode ficar um ou dois meses em casa sem especiais prejuízos. Todos aqueles que, de um modo ou de outro, servem a essas classes, estão podendo sair para as ruas, vir de suas casas para os seus locais de trabalho, e portanto correm risco de se infectar.
Mas todos aqueles outros (e são uma população imensa, nesse nosso Brasil tão desigual) que precisam das ruas para trabalhar, para ganhar o seu sustento? Aqueles para os quais as ruas são essenciais, essenciais para viver (melhor: para sobreviver)? Os serviços que prestam, nas ruas, são essenciais para eles – mas disso os governantes “sensíveis” não se incomodam, ou apenas transferem a responsabilidade para o governo federal. E essa parcela enorme da população, impedida de ganhar nas ruas o seu pão cotidiano, vai sobreviver como? O que acontecerá, quando vier a fome? Farão saques ou padecerão de outras doenças?
O confinamento já é, portanto, seletivo, já é, como se diz, “vertical”. Egoisticamente vertical. Atende às classes média e alta. Não atende àquela imensa parcela da população mais humilde – aqueles que não têm emprego nem renda nem poupança, tanto os que não são aposentados nem estão em programa de bolsa família (população que, sendo conhecida, é mais fácil de ajudar), quanto a massa dos que desenvolvem pequenos negócios e dos que vivem na informalidade, na prestação de pequenos serviços. O governo terá condições para chegar a eles e acudi-los em tempo? Identificá-los não é tarefa nada fácil. Eles serão ajudados, sim, mas se sobreviverem até lá. E, pior: se a verba chegar até eles, e não for desviada, no caminho, por esses muitos prefeitos e governadores demasiado “honestos” que infestam o Brasil.
Enfim, são dois dramas sociais – a pandemia, de um lado, e a economia pessoal das pessoas, sobretudo as mais humildes, de outro, – que têm de ser enfrentados conjuntamente e ao mesmo tempo – não um sozinho, nem um agora e o outro, depois.
É para ficar em casa toda a população? É para se adotar o tal isolamento “horizontal”, não o “vertical”? Mas, é mesmo? Ou esse recolhimento doméstico está sendo tremendamente seletivo?
Há não pequena hipocrisia nesse confinamento. Porque nem todos são obrigados a ficar em casa. E não são somente os médicos e enfermeiros, cuja missão é atender os doentes, que não ficam em suas casas – o que seria muito compreensível. Também não ficam em casa os trabalhadores das padarias e dos mercados, onde se compram os alimentos. Nem os caminhoneiros que os transportam. Nem os entregadores de refeições. Nem os porteiros dos prédios, encarregados de garantir o acesso e controlar as entradas. Também estes últimos são serviços essenciais?
E por que seriam serviços essenciais? Sobretudo: essenciais para quem? Para mim, para a boa classe média (e a alta) que pode ficar um ou dois meses em casa sem especiais prejuízos. Todos aqueles que, de um modo ou de outro, servem a essas classes, estão podendo sair para as ruas, vir de suas casas para os seus locais de trabalho, e portanto correm risco de se infectar.
Mas todos aqueles outros (e são uma população imensa, nesse nosso Brasil tão desigual) que precisam das ruas para trabalhar, para ganhar o seu sustento? Aqueles para os quais as ruas são essenciais, essenciais para viver (melhor: para sobreviver)? Os serviços que prestam, nas ruas, são essenciais para eles – mas disso os governantes “sensíveis” não se incomodam, ou apenas transferem a responsabilidade para o governo federal. E essa parcela enorme da população, impedida de ganhar nas ruas o seu pão cotidiano, vai sobreviver como? O que acontecerá, quando vier a fome? Farão saques ou padecerão de outras doenças?
O confinamento já é, portanto, seletivo, já é, como se diz, “vertical”. Egoisticamente vertical. Atende às classes média e alta. Não atende àquela imensa parcela da população mais humilde – aqueles que não têm emprego nem renda nem poupança, tanto os que não são aposentados nem estão em programa de bolsa família (população que, sendo conhecida, é mais fácil de ajudar), quanto a massa dos que desenvolvem pequenos negócios e dos que vivem na informalidade, na prestação de pequenos serviços. O governo terá condições para chegar a eles e acudi-los em tempo? Identificá-los não é tarefa nada fácil. Eles serão ajudados, sim, mas se sobreviverem até lá. E, pior: se a verba chegar até eles, e não for desviada, no caminho, por esses muitos prefeitos e governadores demasiado “honestos” que infestam o Brasil.
Enfim, são dois dramas sociais – a pandemia, de um lado, e a economia pessoal das pessoas, sobretudo as mais humildes, de outro, – que têm de ser enfrentados conjuntamente e ao mesmo tempo – não um sozinho, nem um agora e o outro, depois.
Por: José Luiz Delgado
Professor de Direito UFPE.
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