Inicialmente, é preciso saber um pouco mais sobre este novo agente infeccioso ao ser humano, uma vez que já era de conhecimento científico a existência deste grupo de vírus denominado coronavírus. Essa família (com nomenclatura científica de coronaviridae) engloba, até o momento, cerca de 40 espécies descritas e que tem como característica distintiva a presença de proteínas projetadas em sua capa protéica ou capsídeo (invólucro do material genético do organismo) que, quando observadas em microscopia, se assemelham a coroa solar (daí o nome do grupo). Fazem parte desta família os vírus causadores da síndrome respiratória aguda grave (abreviatura do inglês SARS) e da síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS), além do novo coronavírus de 2019 (2019-nCoV).
Já em 1960 pesquisadores identificaram e descreveram a primeira transmissão que levou à infecção em humanos por uma espécie de coronavírus. Esse contágio humano se deu por antropozoonoses, que é a forma de transmissão do vírus de animais a humanos. Depois desta identificação, segundo informações de especialista [2], já se verificou que algumas espécies de coronavírus são agentes patogênicos para os humanos, incluindo as cepas que causaram as pandemias de SARS, em 2002 e 2003, e de MERS, 2012 e 2013.
Para a nova espécie causadora da pandemia atual, ainda há pouca informação sobre a origem da transmissão deste vírus aos humanos. Os primeiros pacientes que apresentaram um quadro clínico de pneumonia, porém com causa desconhecida, tinham algum vínculo com o Mercado de Produtos do Mar e animais da cidade de Huanan, na província de Wuhan, na China. Desta forma, os cientistas acreditam que houve uma transmissão antropozoonótica mas, até o momento, não se tem informações precisas de qual espécie animal poderia ter sido o hospedeiro inicial que, com o convívio humano, poderia ter transmitido a infecção. Segundo comparação genética do genoma completo do 2019-nCoV, publicado inicialmente pelas autoridades de saúde chinesas, com a seqüência de pacientes nos EUA, que vem sendo disponibilizadas pela Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD), há semelhanças que levam à sugestão de que provavelmente o surgimento deste novo vírus é recente e único, tendo ocorrido a partir de um reservatório animal. Também se verificou semelhança genética entre o novo coronavírus e a espécie que causa infecções em espécies de morcegos [3], porém acreditam que um outro animal poderia ter transmitido ao homem, mas não se sabe qual [4].
Essa capacidade de infecção em diferentes espécies de hospedeiros é decorrente da seleção de cepas adaptadas a causar infecções nos seres humanos, uma vez que, por serem vírus, precisam obrigatoriamente do corpo de um hospedeiro com maior complexidade para sua sobrevivência. A seleção dos patógenos decorre de novas condições ambientais nas quais tanto o vírus (ou qualquer outro agente infeccioso) quanto os hospedeiros se encontram. Desta maneira, a criação de animais, ou a destruição dos habitats naturais da fauna silvestre, ou ainda pela as introduções de espécies selvagens levam a convivência próxima de seres humanos e animais. O modo de criação de animais, que incluem confinamento, aglomeração e uso indiscriminado de medicamentos, geram condições propícias à seleção dos vírus. Já a migração da fauna silvestre geralmente ocorre por causa da destruição de seus habitats naturais em decorrência da exploração predatória do meio ambiente, fazendo com que estes animais, em busca de condições ecológicas para sobrevivência (como abrigo e alimentação) se atraiam às condições criadas pela atividade humana.
Desta forma, a política de devastação ambiental que dá base à intensa disputa dos interesses geopolíticos capitalistas relacionados ao agronegócio, que no final do ano passado já deu o que falar com as queimadas na Amazônia, e os modos de produção (que no caso destacamos a criação de animais) voltados ao aumento desta, com o menor gasto possível com os meios de produção, ao ponto de estabelecer condições precárias, acabam criando as condições de seleção de inúmeras doenças. Em outras palavras, a tentativa de resolução burguesa ao fracasso do neoliberalismo, que desencadeou a crise que já se estende por mais de uma década, aprofunda ainda mais a lógica irracional do sistema capitalista para manutenção de seus lucros e dominação de uma classe sobre a outra.
Como a maioria dos vírus que infectam o trato respiratórios, já houve comprovação de antroponose, que é a transmissão entre humanos. De acordo com divulgação da CCD [5], a propagação de pessoa para pessoa acontece por contatos próximos e sua transmissão ocorre, principalmente, através de gotículas respiratórias produzidas quando uma pessoa infectada tosse ou espirra. Essas gotículas podem pousar na boca ou no nariz de pessoas próximas ou possivelmente serem inaladas nos pulmões. Atualmente, não está claro se uma pessoa pode obter o 2019-nCoV tocando em uma superfície ou objeto com o vírus e, em seguida, tocando sua própria boca, nariz ou possivelmente seus olhos.
É preciso frisar que há uma variação no nível de transmissibilidade que cada tipo de vírus possui, dependendo de vários fatores condicionantes para essa determinação. Porém, por se tratar de uma doença de trato respiratório, que provavelmente é transmitida da forma acima relatada, e a partir de estudos comparativos com outros vírus da mesma família que causam infecções em humanos, supõe-se que exista uma transmissibilidade alta, mas não como a comprovada para SARS e MERS.
Outro aspecto epidemiológico crucial está relacionado com o grau de letalidade da doença. Já se sabe que tanto o MERS quanto o SARS causam doenças graves nas pessoas. No entanto, o quadro clínico completo em relação ao 2019-nCoV não está totalmente esclarecido e, o pouco que se sabe, não vem sendo divulgado de forma acessível para a população. Entretanto, é de conhecimento empírico que o grau de severidade de algumas doenças está associado às boas condições de saúde, tais como alimentação de alta densidade nutricional, saneamento básico, métodos de prevenção e atendimento médico. Mas, tais condições são privadas à maior parcela da população mundial, deixando-as em situação de vulnerabilidade. Essa privação ao acesso está totalmente relacionada tanto ao aprofundamento da crise, que é descarregada sobre as costas da classe trabalhadora, quanto ao processo de privatização da saúde, transformando-a em uma mercadoria para, desta forma, garantir o lucro do monopólio privado da saúde a partir do adoecimento e morte das pessoas.
Resumidamente: a vida miserável imposta pelo capitalismo é o que condiciona o grau de severidade desta e de qualquer outra doença.
Surtos de novas infecções por vírus entre as pessoas são sempre uma preocupação de saúde pública. O risco relativo à possibilidade desses surtos está relacionado com as características que citamos anteriormente e que tem relações condicionantes com o modo de vista miserável que é imposto pelo capitalismo. Mas é preciso ligar esse fato com a intensidade do tráfego mundial de pessoas que comprova a ligação entre os países, mostrando que a tática de isolamento é impossível de ocorrer em um sistema que leva à inter-relação entre as nações. Assim, a potencial ameaça à saúde pública representada pelo vírus 2019-nCoV é considerada alta tanto pela CCD quanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e apresenta dois critérios cruciais de uma pandemia: a propagação prolongada e a possibilidade de morte de indivíduos que foram contaminados. Estas questões levaram a OMS a declarar, no último dia 30, emergência internacional em saúde pública. Já é a 6ª vez de uma declaração como esta, tendo sido a última em 2016 com os casos de zika vírus.
Obviamente que, neste momento, algumas pessoas terão o risco aumentado de infecção, como coloca a CCD, que seriam os profissionais de saúde que cuidam de pacientes com 2019-nCoV e outros contatos próximos de pacientes infectados. Mas para além dos familiares e amigos dos pacientes e desta categoria de trabalhadores, temos que acrescentar que as condições precárias de subsistência impostas globalmente pelo capitalismo, como é o caso de trabalhos informais como dos entregadores de Rappi ou dos migrantes e refugiados, deveriam ser alarmantes para todos. Isso não para causar desespero na população, mas para percebermos que situações como esta são causadas e intensificadas por causa da ganância de uma pequena parcela da população mundial que detém a maior parte da riqueza, a partir da exploração e degradação da vida da maior parcela das pessoas do mundo. Basta percebermos que em condições como esta que estamos passando pela 6ª vez em pouco mais de uma década está servindo para intensificar o endurecimento das políticas anti-migratórias e perseguição aos refugiados, que são, na realidade, quase 3% da população mundial, que é obrigada a sair de seu países para conseguir sobreviver, e migrantes, que o número não se tem ao certo mas que segundo dados da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) [6], oficialmente se calcula ser menor que 0,5% da população mundial. Ou seja, a xenofobia é o pano de fundo para políticas reacionárias de isolamento e restrição e, atrelada ao desconhecimento real sobre a doença, acaba agudizando ainda mais a divisão da classe trabalhadora mundial, agora também por dentro de suas fileiras.
Abre-se um parênteses aqui para ressaltar que, a política de encobrimento das informações sobre a doença atrelada aos ataques à educação e à ciência, que fomentam ideias comprovadamente ultrapassadas para garantir as condições de exploração da maior parcela da população sobre os grilhões da burguesia, faz com que se espalhem informações absurdas e que agudizam as ferramentas de divisão da classe trabalhadora, com a xenofobia.
Assim, não é possível que a solução para esta ou qualquer outra doença que surja seja por meio de medidas repressivas e reacionárias que perpetuam as relações sociais de um sistema que obriga a maior parcela da população a viver na miséria do possível. Claramente é preciso que, em situações como a que vivemos pela 6ª vez (para frisar ainda mais nosso ponto), a população tenha acesso às informações o quanto antes do que vem se descobrindo, e não que estas fiquem cerceadas, como o que houve na China, no começo da epidemia, em que o governo de Xi Jinping, do Partido Comunista Chinês que reprime a liberdade de imprensa no país, proibiu de vincular a informação descoberta pelo médico Li Wenliang, de 34 anos, que acabou morrendo por causa da doença. Essa política de herança stalinista, de acreditar que é possível levar a população às plenas condições de vida e de avanço dos meios produtivos por meio de se isolar do mundo ao ponto de veicular notícias falsas ou mesmo de cerceamento de informações de importância mundial, têm por de trás os modos de garantir o crescimento de influência política e econômica na disputa pela hegemonia na economia mundial. Isso foi o que levou à guerra comercial com os EUA e que leva a população a viver na miséria do possível, visível àqueles que querem ver, quando se percebe a jornada de manifestações que a população vem levando meses a fio, e que os partidos que seguem essa herança stalinista fecham os olhos ou mesmo maquiam a verdade, colocando que a construção de hospitais em tempo recorde é em prol da saúde da população, sendo que na realidade, é a preocupação com a paralisação da economia, visto que o epicentro da doença é um dos maiores centros industriais do país.
Também é fundamental lembrar que, desde os anos de 1920, houve um desmantelamento do sistema de saúde público chinês, em primazia do crescimento econômico do país, colocando a saúde como mais uma mercadoria através da sua privatização. Em um país de extensão continental e com todo esse sucateamento, foi-se acarretando problemas de saúde para a população chinesa que propiciaram o surgimento de doenças, como foi o caso da SARS em 2002 e 2003 e do H1N1, em 2009.
Neste momento, é necessário que sejam garantidas a distribuição gratuita de máscaras com elementos filtrantes, dentre outras medidas de prevenção em massa para evitar a dispersão desta e de outras doenças. O investimento na área de educação e ciência também é outro elemento que se faz latente e que escancara o quão danoso são os ataques a estas áreas que, na realidade, tem por detrás uma política de manutenção das relações sociais de exploração. A solução real para se conter e evitar pandemias como esta só virá a partir de um sistema único de saúde global, que tenha uma aplicação realmente prática dos princípios de universalidade, equidade, integralidade e igualdade para garantia ao acesso às boas condições da saúde para a população mundial. Estes preceitos realmente serão colocados em prática somente se este sistema único de saúde for administrado pelos trabalhadores, pois somente esta classe, aliada à população, é capaz de dar a resposta, visto que é a que domina o conhecimento das condições reais e dos meios de produção, conseguindo, portanto, garantir a qualidade e gratuidade deste sistema, para que atenda toda a população mundial.
O Brasil, com extensão continental, é um dos únicos países que têm um sistema de saúde integral para o país como um todo. Esse tipo de sistema de saúde foi resultado de uma luta de décadas, tanto de trabalhadores da área, quanto de estudantes, que se colocavam contra a forma privatista de saúde, que impossibilitava o acesso à maioria das pessoas, por colocar a saúde como mercadoria, em um momento político ímpar do país, a ditadura militar, que também escondia e maquiava epidemias que a população convivia. Entretanto, devido a acordos parlamentares e da burocracia de partidos ditos de esquerda, desde a constituição do SUS brasileiro houve a abertura de portas à iniciativa privada. Até então, o SUS passa por processos de subfinanciamento e, consequentemente, sucateamento, que tem como alvo real não a garantia da saúde da pessoas, mas sim a manutenção do lucro dos grandes monopólios da saúde, que é obtido com o adoecimento e morte das pessoas.
No decorrer dos governos brasileiros houveram diversas políticas que escancaram as portas à iniciativa privada para a área da saúde, como a política do governo FHC conhecida atualmente como Desvinculação das Receitas da União (DRU) [7], que desvincula 20% da arrecadação das contribuições sociais para o SUS e para a Seguridade Social deixando-a disponível para uso do governo federal; seguido pela política de abertura à iniciativa privada dos governos petistas, e pela PEC do teto dos gastos do governo golpista de Michel Temer. Agora, no governo reacionário de Bolsonaro, os ataques só se intensificam fazendo com que a classe trabalhadora tenha que pagar com sua vida pela gana por lucro dos tubarões da saúde, como a declaração atual de Bolsonaro esta semana, que disse que pessoas com HIV são uma despesa para todos aqui no Brasil. Essa política também é seguida pelos governos estaduais, como no caso do Rio de Janeiro, no qual os trabalhadores da saúde ficaram meses sem salário e as condições de trabalho vem constantemente se precarizando.
Assim, a partir de uma análise marxista, é possível perceber que os problemas mundiais de saúde nada mais são que uma consequência de um sistema falido que tende a subjugar, por meio da exploração, a maior parcela da população mundial à gana de uma classe que coloca no âmbito privado tudo o que é produzido pela outra parcela. Para garantir esta condição, a burguesia é capaz de tudo, até mesmo de gerar condições que permitam o surgimento de pandemias e, a partir destas somente refletir no seu domínio político e econômico sobre a classe trabalhadora. Então fica claro o que Marx escreveu, junto a Engels no Manifesto do Partido Comunista, e nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, há séculos, de que história é a história da luta de classes, e que a sociedade se divide em dois campos opostos, em duas classes que vivenciam constantemente um confronto direto e hostil. A saída para a saúde da população mundial e para todas as outras questões correlacionadas está no fim da propriedade privada dos meios de produção, colocando este sob o controle da única classe capaz de resolver as questões e ainda propiciar avanços que condicionarão as melhores condições de vida: a classe trabalhadora.
(Por Rafaella Lafraia).
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