Trata-se de pedido de registro de Candidatura de OTACÍLIO ALVES CORDEIRO, no bojo do qual o Ministério Público anexou extrato do SISCONTA noticiando indícios de possíveis inelegibilidades a fim de que o pré-candidato pudesse se pronunciar.
Em sua defesa, OTACÍLIO ALVES CORDEIRO assevera que o Ministério Público Eleitoral não apresentou provas pungentes acerca de sua inelegibilidade, tendo ainda colacionado aos autos certidão da câmara municipal informando que não existe registro de prestações de contas que tenham sido apreciadas e rejeitadas.
Este é o breve relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
In casu, resta impossível o deferimento do registro de candidatura em análise, tendo em vista que ele se enquadra na hipótese prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar n. 64/90, com redação dada pela Lei Complementar nº 135/2010, segundo o qual são inelegíveis “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.
Insta salientar que a doutrina especializada faz diferenciação das contas de governo, que teriam em seu âmago a execução do orçamento anual, e de gestão, derivadas da função de ordenador de despesas do chefe do poder executivo municipal.
Na primeira hipótese, o TCE emite parecer a fim de subsidiar a atuação do órgão legislativo municipal, contudo, na segunda hipótese, o tribunal especializado é quem detém total competência para não apenas apreciar, como também julgar. Assim preleciona José Jairo Gomes:
"Note-se que, na primeira hipótese aventada, as contas são prestadas ao Poder Legislativo, sendo remetidas ao Tribunal apenas para a emissão de parecer.
Em tal caso, o Tribunal funciona como órgão técnico-auxiliar do Parlamento. Assim, a competência para julgar as contas é do Poder Legislativo. Já quanto à segunda hipótese, é o próprio Tribunal que detém competência – atribuída diretamente pela Constituição – para apreciar e emitir julgamento acerca das contas que lhe forem submetidas. Nesse caso, o Tribunal profere julgamento, e não apenas emite parecer prévio[1]"
Dessa forma, ao sentir deste Parquet Eleitoral, as condutas do pré-candidato devem ser sopesadas pelo MM juiz eleitoral, uma vez que este detém autonomia para análise das práticas ímprobas noticiadas nos autos, sendo possível exercer juízo de valor acercas das condutas ora perpetradas. Nesse trilar, elucida ainda JOSÉ JAIRO GOMES acerca da cognição autônoma da justiça eleitoral:
“Note-se, porém, que dentro de sua esfera competencial, tem a Justiça Eleitoral plena autonomia para valorar os fatos ensejadores da rejeição das contas e fixar, no caso concreto, o sentido da cláusula aberta “irregularidade insanável”, bem como apontar se ela caracteriza ato doloso de improbidade administrativa. É que a configuração da inelegibilidade requer não só a rejeição das contas, como também a insanabilidade das irregularidades detectadas e sua caracterização como improbidade. Se a rejeição (ou desaprovação) das contas é dado objetivo e facilmente verificável (basta uma certidão expedida pelo Tribunal de Contas ou pelo órgão Legislativo), a insanabilidade e a configuração da improbidade requerem a formulação de juízo de valor por parte da Justiça Eleitoral, única competente para afirmar se há ou não inelegibilidade[2]”
Em síntese, a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/90 pressupõe: a) rejeição de contas; b) irregularidade insanável, por ato doloso de improbidade administrativa; c) decisão definitiva exarada por órgão competente; d) ausência de suspensão da decisão de rejeição de contas pelo Poder Judiciário.
No caso em tela, restam cumpridos todos os requisitos exigidos pela Lei Complementar nº 64/90.
De outra parte, as rejeições de contas – no presente caso concreto – se caracteriza pela irregularidade insanável.
Insanáveis, conforme JOSÉ JAIRO GOMES[3], “são as irregularidades graves, decorrentes de condutas perpetradas com dolo ou má-fé, contrárias ao interesse público; podem causar dano ao erário, enriquecimento ilícito, ou ferir princípios constitucionais reitores da Administração Pública”.
A jurisprudência do TSE entendia que irregularidades insanáveis são as que apresentam “nota de improbidade” (Recurso Especial Eleitoral nº 23.345 – Rel. Caputo Bastos – j. 24.09.2004). Agora, com a edição da LC nº 135/10, o legislador estabeleceu que a inelegibilidade deve ser imputada àqueles que “tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa”.
Novamente, JOSÉ JAIRO GOMES explica que “o requisito de que a inelegibilidade também configure ‘ato doloso de improbidade administrativa’ tem a única finalidade de estruturar a inelegibilidade (...). Destarte, não há falar em condenação em improbidade administrativa, mas apenas em apreciação e qualificação jurídica de fatos e circunstâncias relevantes para a estruturação da inelegibilidade em apreço” (op. cit., pp. 178/179).
Das irregularidades apontadas e do inteiro teor das decisões listadas, observa-se que o pretenso candidato, na qualidade de gestor, cometeu faltas graves e que, em tese, configuram ato doloso de improbidade administrativa.
No mesmo passo, o TSE tem assentado que “para efeito da apuração da inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, não se exige o dolo específico, basta para a sua configuração a existência do dolo genérico ou eventual, o que se caracteriza quando o administrador deixa de observar os comandos constitucionais, legais ou contratuais que vinculam sua atuação” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 273-74 – Rel. Min. Henrique Neves – j. 07.02.2013).
Logo, verificada a rejeição das contas pelo TCE em razão das irregularidades insanáveis, e, ausente qualquer notícia de provimento judicial que tenha suspendido ou desconstituído as referidas decisões, há de ser reconhecida a inelegibilidade por 8 anos.
Não se desconhece a posição do STF no quanto diz respeito ao julgamento das contas de prefeito, todavia, o caso concreto em apreciação exige uma atenção redobrada, na medida em que se trata de um ex-gestor público com várias rejeições de contas por órgão técnico, nas quais teria atuado na condição de ordenador de despesas, cometendo seríssimas condutas contrárias ao ordenamento jurídico, muitas delas já objeto de ações por atos de improbidade administrativa e, também persecução na seara penal. O pretenso candidato perpetrou prejuízos de enorme monta ao patrimônio público, conforme revela o mapa de prestações de contas em anexo, informativo este em que se encontram os números dos respectivos feitos na Corte de Contas. Importa, ainda, mencionar o documento fornecido pela Câmara de Vereadores, o qual apenas se restringe a informar a inexistência de prestações de contas do candidato que foram rejeitadas, sem detalhar os períodos que foram apreciados pela Casa José Soares, dever que não se desincumbiu o interessado, fazendo, à semelhança do que ocorre quando o candidato tem registro criminal, de apresentar certidão de objeto e pé.,
Desta forma, entende o Ministério Público Eleitoral que, no caso concreto, as circunstâncias revelam a inelegibilidade do pretenso candidato, tendo em conta as diversas rejeições das contas de gestão, posto ter agido na condição de ordenador de despesas, razão pela qual o Ministério Público Eleitoral se manifesta pelo INDEFERIMENTO do registro de candidatura ora em análise.
É o PARECER.
Catende, 15 de outubro de 2020.
Bel. RÔMULO SIQUEIRA FRANÇA
Promotor Eleitoral da 043ª Zona Eleitoral
[1] Gomes, José Jairo. 16 ed. São Paulo. Atlas: 2020. Pag.419.
[2] Gomes, José Jairo. 16 ed. São Paulo. Atlas: 2020. Pag.414.
[3] DIREITO ELEITORAL, Editora Atlas, 6ª Edição, p. 178.
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